Às vezes só a mentira salva. Então, no dia seguinte, quando as quatro Marias
cansadas foram trabalhar, ela teve pela primeira vez na vida uma coisa, a mais
preciosa: a solidão. Tinha um quarto só para ela. Mal acreditava que usufruía o
espaço. E nem uma palavra era ouvida. Então dançou num ato de absoluta coragem,
pois a tia não a entenderia. Dançava e rodopiava porque ao estar sozinha se
tornava l-i-v-r-e! Usufruía de tudo, da arduamente conseguida solidão, do rádio
de pilha tocando o mais alto possível, da vastidão do quarto sem as Marias.
Arrumou, como pedido de favor, um pouco de café solúvel com a dona dos quartos,
e, ainda como favor, pediu-lhe água fervendo, tomou tudo se lambendo e diante do
espelho para nada perder de si mesma. Encontrar-se consigo própria era um bem
que ela até então não conhecia. Acho que nunca fui tão contente na vida, pensou.
Não devia nada a ninguém e ninguém lhe devia nada. Até deu-se ao luxo de ter
tédio – um tédio até muito distinto.
CLARICE LISPECTOR
CREAMY CHOCOLATE PUDDING
Há 6 anos
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